ARTIGO COMENTADO
Dr. Rodrigo Lamounier
CRM-MG 31293
Médico endocrinologista. Doutor em Endocrinologia pela FM-USP. Coordenador da Clínica Endocrinológica da Rede Mater Dei de Saúde, Belo Horizonte/MG. Diretor Clínico do Centro de Diabetes de Belo Horizonte/MG – CDBH.
Impacto da hipoglicemia na atitude do paciente em relação ao tratamento
A otimização do controle glicêmico nos pacientes com diabetes é um grande desafio, seja no diabetes mellitus tipo 1 (DM1), seja no DM2, especialmente naqueles que fazem uso de insulina, em que o risco de hipoglicemia é uma das barreiras para o sucesso do tratamento.
“O risco de hipoglicemia é uma das barreiras para o sucesso do tratamento.”
Os episódios de hipoglicemia podem se manifestar de diferentes maneiras, desde hipoglicemias assintomáticas até episódios com sintomas neurológicos graves, incluindo tontura, confusão mental, fraqueza e perda de consciência. Episódios recorrentes de hipoglicemia assintomática caracterizam a hipoglicemia não reconhecida, que está relacionada a maior risco de episódios hipoglicêmicos graves. Além disso, o medo de hipoglicemia é bastante frequente em pacientes que fazem uso de insulina e pode impactar na adesão ao tratamento e, portanto, no controle glicêmico.
Em relação a episódios de hipoglicemia não grave, estudos observacionais mostram que:
indivíduos com DM1 podem apresentar 42 episódios/ano.2,3
indivíduos com DM2 podem apresentar 48 episódios/ano.2,3
Em ambos, o risco de hipoglicemia aumenta com o tempo de uso de insulina.
O estudo HAT (Hypoglycemia Assessment Tool) foi uma iniciativa multinacional
feito em mais de 27.000 adultos com DM1 ou DM2 em uso de insulina
em 24 países de 6 diferentes regiões no mundo.2
Episódios de hipoglicemia* no período prospectivo do estudo de 4 semanas:
83,0%
dos pacientes com
46,5%
dos pacientes com
*Dados mundiais
(não incluem o Brasil).
O estudo HAT Brasil foi um estudo nacional, observacional, multicêntrico com um período de observação retrospectivo de 6 meses e um período prospectivo de 4 semanas. O objetivo primário do estudo foi exatamente avaliar o percentual de pacientes que apresentaram episódios de hipoglicemias no período prospectivo, tendo incluído pacientes com DM1 ou DM2 em uso de insulina há pelo menos 1 ano.
Estudo HAT Brasil: definições de hipoglicemia1
Hipoglicemia grave
Qualquer episódio de hipoglicemia que necessite de assistência de outra pessoa para o seu tratamento.
Hipoglicemia não grave
Eventos resolvidos pelo paciente, sem necessidade de ajuda de terceiros.
Hipoglicemia noturna
Qualquer hipoglicemia que ocorra entre 0h e 6h da manhã.
Hipoglicemia com admissão hospitalar
Episódios em que o paciente tenha sido levado ao pronto atendimento para tratamento.
Estudo HAT Brasil
Tabela 1: demografia e história do diabetes na população
de estudo1
DM1 (n=321)
DM2 (n=293)
Sexo feminino
188 (58,5%)
162 (55,5%)
Idade (anos), mediana [intervalo interquartil]
33,0 [26,0, 44,0]
62,0 [55,0, 68,5]
Duração do diabetes (anos), mediana [intervalo interquartil]
15,0 [9,0, 22,0]
15,0 [10,0, 22,0]
Última medida de valor HbA1c (%), mediana [intervalo interquartil]
7,7 [7,0, 8,5]
7,9 [7,3, 9,1]
Checagem de níveis de açúcar no sangue, n (%)
314 (98,4%)
259 (88,7%)
Já apresentou hipoglicemia, n (%)
313 (97,5%)
247 (84,3%)
.
.
.
(se sim) Pacientes identificando hipoglicemia, baseado em, n (%)
.
.
Apenas sintomas
83 (27,4%)
96 (41,4%)
Apenas medição de glicemia
23 (7,6%)
38 (16,4%)
Sintomas ou medição de glicemia
56 (18,5%)
28 (12,1%)
Sintomas e medição de glicemia
129 (42,6%)
65 (28,0%)
Outro
12 (4,0%)
5 (2,2%)
Tempo de uso de insulina (anos), mediana [intervalo interquartil]
14,0 [8,0, 22,0]
6,0 [3,0, 10,0]
.
.
.
Tratamento do diabetes, n (%)
.
.
Apenas insulina de ação rápida
26 (8,2%)
15 (5,1%)
Apenas insulina de ação longa
14 (4,4%)
123 (42,0%)
Insulina de ação longa e rápida
250 (77,9%)
137 (46,8%)
Insulina mista
12 (3,8%)
11 (3,8%)
Bomba de insulina
17 (5,3%)
1 (0,3%)
Tratamento antidiabetes oral
29 (9,1%)
177 (60,4%)
Tratamento antidiabetes injetável, além da insulina
44 (13,8%)
4 (1,4%)
Dados apresentados na tabela acima correspondem a n (%) ou mediana (intervalo interquartil).
DM1
(n=321)
DM2
(n=293)
Pacientes que já apresentaram hipoglicemia, n (%)
97,5%
84,3%
Principais resultados do estudo HAT Brasil
Hipoglicemia prévia:
Pacientes que relataram
hipoglicemia prévia (%)
DM1
97,5%
42,6%
identificaram através de sintomas e monitoramento da glicose.
DM2
84,3%
41,4%
identificaram o evento apenas através de sintomas.
Incidência de hipoglicemia:
Pacientes que relataram hipoglicemia no período prospectivo de 4 semanas (%)
DM1
91,7%
DM2
61,8%
Hipoglicemia noturna:
Pacientes que relataram hipoglicemia noturna (%)
DM1
54,9%
DM2
27,4%
Hipoglicemia grave:
Pacientes que relataram
hipoglicemia grave (%)
DM1
DM2
25,7%
13,4%
O risco de hipoglicemia grave foi maior nas mulheres e naqueles com mais tempo de diagnóstico de diabetes.
Principais resultados do estudo HAT Brasil
A taxa anual
estimada de
hipoglicemia
geral foi de:
DM1
109
DM2
32
eventos/paciente/ano
A taxa anual
estimada de
hipoglicemia
noturna foi de:
DM1
24
DM2
6
eventos/paciente/ano
A taxa anual
estimada de
hipoglicemia
grave foi de:
DM1
10
DM2
6
eventos/paciente/ano
Relação entre HbA1c e o risco de hipoglicemia grave
A HbA1c (hemoglobina glicada) no início do estudo não foi relacionada com o risco geral de hipoglicemia, mas observou-se relação inversa entre nível de HbA1c e risco de hipoglicemia grave. Além disso, os pacientes com HbA1c <7% (tanto DM1 quanto DM2) relataram mais hipoglicemias graves, não graves, noturnas e qualquer hipoglicemia em relação àqueles pacientes com HbA1c > 7% no início do estudo (Figura 1):
Impacto da hipoglicemia na atitude do paciente em relação ao tratamento
As ações mais comuns dos pacientes após experimentarem um evento de hipoglicemia foram:
60%
aumentaram
a ingestão calórica
58%
aumentaram o
monitoramento da glicose
31%
aumentaram
a ingestão calórica
Relação entre idade e risco de hipoglicemia
Pacientes com menos de 65 anos apresentaram, para ambos os tipos de diabetes, maior risco de hipoglicemias graves, não graves e noturnas que os pacientes com mais de 65 anos. Por outro lado, nos pacientes com DM1, aqueles com mais de 65 anos tiveram maior risco de hospitalização por hipoglicemia.
Tabela 2: medo de hipoglicemia e ações tomadas após
eventos hipoglicêmicos
DM1
.
Com hipoglicemia grave nos últimos 6 meses (n=119)
Sem hipoglicemia grave nos
últimos 6 meses (n=198)
Medo de hipoglicemia na baseline, média ± DPa
6,6 ± 2,97
5,4 ± 3,00
Ações tomadas depois dos eventos hipoglicêmicos, n (%)b
.
.
Consultaram seu médico/enfermeiro
68 (60,2%)
80 (43,5%)
Aumentaram a ingestão de caloria
87 (74,4%)
129 (67,5%)
Evitaram exercício físico
41 (37,3%)
42 (23,3%)
Reduziram a dose de insulina
93 (91,6%)
120 (64,5%)
Pularam a aplicação de insulina
37 (33,3%)
44 (24,3%)
Aumentaram o número de checagens da glicemia
88 (76,5%)
134 (70,5%)
91,6% dos pacientes com DM1 que
apresentaram uma hipoglicemia grave reduziram suas doses de insulina.
DM2
.
Com hipoglicemia grave nos últimos 6 meses (n=60)
Sem hipoglicemia grave nos
últimos 6 meses (n=231)
Medo de hipoglicemia na baseline, média ± DPa
6,5 ± 3,40
5,1 ± 3,99
Ações tomadas depois dos eventos hipoglicêmicos, n (%)b
.
.
Consultaram seu médico/enfermeiro
28 (48,3%)
61 (28,4%)
Aumentaram a ingestão de caloria
38 (63,3%)
113 (51,4%)
Evitaram exercício físico
15 (27,3%)
28 (13,5%)
Reduziram a dose de insulina
26 (44,1%)
43 (20,2%)
Pularam a aplicação de insulina
18 (31,0%)
40 (18,9%)
Aumentaram o número de checagens da glicemia
30 (50,8%)
108 (49,1%)
63,3% dos pacientes com DM2 que
apresentaram uma hipoglicemia grave aumentaram a ingestão de caloria.
DP – desvio-padrão
aEm uma escala de 0 a 10, onde 0 = sem medo algum e 10 =
absolutamente aterrorizado.
bMais de uma resposta possível.
Dados da tabela acima apresentados como n (%) ou média (desvio-padrão).
Discussão
No estudo HAT Brasil a incidência de hipoglicemia no período foi maior que no estudo global, tanto no DM1 quanto no DM2. E quando comparado aos dados latino-americanos, o percentual de pacientes com pelo menos um episódio de hipoglicemia também foi maior no Brasil.
Brasil
América Latina
Global
DM1
Pacientes que relataram hipoglicemia no período (%):
91,7%
Pacientes que relataram hipoglicemia no período (%):
87,4%
Pacientes que relataram hipoglicemia no período (%):
83,0%
DM2
Pacientes que relataram hipoglicemia no período (%):
61,8%
Pacientes que relataram hipoglicemia no período (%):
43,8%
Pacientes que relataram hipoglicemia no período (%):
46,5%
Em relação às hipoglicemias graves e noturnas, a incidência observada no estudo brasileiro foi maior em relação ao estudo global.
Pacientes que relataram hipoglicemia grave (%)
DM1
Brasil
25,7%
Global
14,4%
DM2
13,4%
8,9%
Pacientes que relataram hipoglicemia noturna (%)
Brasil
54,9%
Global
40,6%
27,4%
15,9%
A maior prevalência de hipoglicemias observada no estudo brasileiro, especialmente naqueles com DM2, pode estar relacionada a diferenças no manejo do diabetes, mesmo entre países da mesma região geográfica. Um estudo transversal brasileiro relatou que 96,8% dos pacientes com DM1 experimentaram hipoglicemia nos 3 meses anteriores ao estudo e 89,6% no mês anterior.4
Similarmente ao que já foi observado em outros estudos, o medo de hipoglicemia esteve associado a maior risco de hipoglicemia grave, provavelmente por causalidade reversa devido a episódios prévios de hipoglicemia grave. 91,6% dos pacientes com DM1 relataram redução na dose de insulina após episódio prévio de hipoglicemia grave, o que pode comprometer o controle glicêmico.
Conclusão:
No Brasil, o estudo HAT evidenciou que eventos de hipoglicemia são muito frequentes em pacientes com diabetes em uso de insulina e podem comprometer a adesão do paciente ao tratamento com insulina.
Diante da alta prevalência do diabetes no Brasil e das consequências a curto e longo prazo da hipoglicemia, é importante reavaliar estratégias de manejo e tratamento do diabetes visando um tratamento mais efetivo e seguro, com menor risco de hipoglicemia, especialmente no uso de insulina.1
Referências: 1. Lamounier RN, et al. Hypoglycemia incidence and awareness among insulintreated patients with diabetes: the HAT study in Brazil. Diabetol Metab Syndr. 2018;10:83. 2. Khunti K, et al. Rates and predictors of hypoglycaemia in 27,585 people from 24 countries with insulin-treated type 1 and type 2 diabetes: the global HAT study. Diabetes Obes Metab. 2016;18:907–15. 3. Elliott L, et al. Hypoglycemia event rates: a comparison between realworld data and randomized controlled trial populations in insulin-treated diabetes. Diabetes Ther. 2016;7:45–60. 4. Bahia L, et al. Healthrelated quality of life and utility values associated to hypoglycemia in patients with type 1 diabetes mellitus treated in the Brazilian Public Health System: a multicenter study. Diabetol Metab Syndr. 2017;9:9.
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